sexta-feira, 18 de novembro de 2011


Digo de você beleza, coisa rara, aproximamento gostoso, beijo-fruta, tensão, orvalho sinistro de uma doce descoberta. Digo de você que é bom, é maravilhoso, estar ao seu lado, num só-silêncio de desabrochar paixão – os vastos sentimentos nos olhos, benquistos, penetrantes. Digo tantas coisas indizíveis, tantos encontros eloqüentes, prazeres fluídos, rosa vermelha no coração, cadente e bela, solta de pétalas desgrenhadas. Digo o-bom, o sincero, cadências lógicas, suores refinados, olhos e mãos, vibrantes, entrelaçados fitos. Coisas sonoras que estremecem, que encantam, que transformam, que revelam. Digo, principalmente, algumas percepções da minha alma, assim:
         Suaves sensações quando olhas
         bem e forte dentro do mundo
         nosso coração exagerado solto
         em amor e violência.
 Coisas bonitas, adagas de plumas, desejos reclinados à procura de uma seda. Coisas importantes, o sensitivo consumindo toda sua pureza, esquecimento e paixão, preclara tentativa. Digo de você também certas noções falhosas de geometria plana, uns buracos no corpo, você com ratos-cães-coelhos nas mãos, depois o muro, aquele desabrochar de barrigadas e também a morte, persecutória.  E, nas minhas mãos, um pássaro doente, breve poema onírico:
         A ave-machucada
         Tenta alturas densas.
         Os meus olhos miram
         Quedas, catástrofes, bifurcações
         De um pássaro sem respiração
         Que se dilui em papel.
         Nas mãos: divina dobradura.

 Não é ilusão, tudo é bonito e forte, e palpável. Teu rato, tento um poema, porque sagrado o sonho do teu depois, antes de nos dizermos.
         Pequeno rato
         Consumido dócil.
         Teu estilhaço de entranhas
         Nas petranhas do muro
         Quando olho compungido
         Tuas vísceras expostas:
         Mãe diz ser assim o mundo.
 É, se eu tiver dó do ratinho, salvo-o em pensamento. Canções leves sobressaem isentas de melodia do nosso sentir místico. Eu, escrevendo, te alcanço pura. De mim a grandeza de um amor. Mas o que me pensa a vida tão cheia de mágoas – é acúmulo funesto de palavras, dos outros, ditas. Purezas. Durezas. Irrealidades. Meu sonhado-amor nas asas de um passarinho: debruça-se num vôo expansivo e devoto.
         Sonho-me a ti
         O teu pensado
         Amor.
         Lilás, faca-molhada
         De um cortume
         Sem carnes.
         Cravando espátula
         Tua espada-rosa
         Nos meus olhos
         Tão feridos.
 Bonita alegria, jeito doméstico de sentir a vida. Seremos sonhos, asas, espadas, ratos, pássaros e beijos. Seremos o inconcluído do amor, mas você ferindo através do tempo minha delicadeza e aura. Sonho-me a ti na supressão do sonho do teu sonhado sentimento. Visito tua casa, teu morar sem paredes, os desejos de querer encontrar o tão-impossível da tua vida. Tua batalha acarinhada, coração sem retalhos, o informe da nuvem livre balsa do teu trasladar-se. Sim, sim, prosa-feitiço escancarada. O amor não é o raso, mas o fundo, o eco, sombra-densa de uns olhos levíssimos. O amor me humaniza, a ti também. Lugares onde estávamos (e era bom) sem a corrosão do vir-a-ser, no depois machucável da gente. Tão assim, à ponta da paixão. Flagelos inexistentes. Sentimento transparente. Essências. Ser-essência da minha vida, gostoso atravessar no infinito do teu sonho. O lado lúdico dos enamorados, um caos efervescente brotando. Briosa loura, teus cabelos tão à mostra. Umas montanhas sonhadas, cobertas de verde vegetação. Caminhando, eu e você, subindo a encosta, num suspender de beijos. Aconteceu? Sim. Não. Em algum lugar do tempo, sempre juntos. Eternos abraçados. Alados. Deitados profundos, sintonizados e carecentes, mãos dadas. Um dia o céu todo nosso. Alados. Eu, você, nuvens e estrelas, viajores do infinito. Alados. Mas, agora, quero lhe dizer o Mar, aquilo de vasto em nós. Soberbo infindo. O mar nosso menino. Êxtase no olhar – o de sempre nunca encontrar. O inficto. Incontinente. Descabível. Aquilo de olhar alargado, infronteiriço, desmedível. O mar em nós: o raso do amor, móvel em águas. Silêncio de concha no ouvido – barulhomar, marulhar de ondas. O mar são os olhos da gente olhados dentro de nós mesmos, fundos? Tantas funduras, ilusões, a superfície lisa dos desejos, escondida. O olhar atravessado, perquirindo o inesgotável inimaginável de lá. Mar-menino. Você e eu – na beirada-areia do amor. Mágicos. Leves. Suspeitos. A noite, o som sonoro daquelas águas, quilométricas, quebrando afoitas, rente à praia. A lua, plúmbea, derrama sua brancura sobre nós. Então, silêncio: o de se esperar sorrisos.
         Mar-menino, contorna-te
         De águas nosso amor.
         Afunda funduras fundas
         Dinamiza dois perfis
         Alagáveis.
         Mar inocente de terras
         Dois meninos sentados
         À beirada arqueada
         Do teu infinito.
 Talvez o além. Sempre penso o mar minha espiritualidade aflorada. Dois meninos. Peneiras-d’água. Cobriremos de águas nosso corpo e sombra, num roçar de pálpebras. E haverá o salgado da pele, dourada roupa, nos revestindo. O mar também sofre seu excesso. E tenta recostar-se num berçário de rochas.
         Sol poente
         Meninos leves
         De mãos dadas.
         Dourado sonho
         - intocável alegria –
         Reclinados sempre
         Ao desejo mútuo.
         O cobre-alaranjado
         Último esboço
         De um céu sangrado.
 Caminhamos. Queremos contornar a ilha. Nossos passos, andarilhos, pés no chão, descalços. Um navio sumidouro no limite-horizonte de nossos olhos. A ilha-tartaruga, grande, majestosa, inventada em água-terra-água. O caminhar, precipício de pés. De mãos dadas, em frente, pois, o ciclo-estrada de nossos destinos.
         Os passos sem rochedo
         Andam sobra águas-finas
         Vagueiam sem matéria
         À procura de Ilhas.
         Os passos espreitam
         Uma rudeza virgem
         De Terras.
         Tocam o solo
         Sem saberem de si
         Os pés do poeta.
 Pois agora é tão longe – vagareza de dentro – as coisas esparsas – o desejo de antes – a matéria de viver, corrompida – os segredos violados – corpos intensos, que se procuram – alguns versos, meus, sentidos à dureza do ser – e tão o mar nosso conhecido, sem beirada profundo – acontece sempre de nos deitarmos sobre algum chão sem terras – esperar que o bonito da vida se faça, razoável, dentro e forte, novamente estonteante – que não haja tanto sofrer, guerras nossas travadas, descabidas batalhas horríveis – e sonharemos um dia a vastidão de sermos nós, demais – ilimitados sempre, enquanto nos beijamos? – forte quimera. Iluminada intuição.   
                                                                                                                              (d. f. m.)                               

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