Digo de você beleza, coisa rara, aproximamento gostoso, beijo-fruta, tensão, orvalho sinistro de uma doce descoberta. Digo de você que é bom, é maravilhoso, estar ao seu lado, num só-silêncio de desabrochar paixão – os vastos sentimentos nos olhos, benquistos, penetrantes. Digo tantas coisas indizíveis, tantos encontros eloqüentes, prazeres fluídos, rosa vermelha no coração, cadente e bela, solta de pétalas desgrenhadas. Digo o-bom, o sincero, cadências lógicas, suores refinados, olhos e mãos, vibrantes, entrelaçados fitos. Coisas sonoras que estremecem, que encantam, que transformam, que revelam. Digo, principalmente, algumas percepções da minha alma, assim:
Suaves sensações quando olhas
bem e forte dentro do mundo
nosso coração exagerado solto
em amor e violência.
bem e forte dentro do mundo
nosso coração exagerado solto
em amor e violência.
Coisas bonitas, adagas de plumas, desejos reclinados à procura de uma seda. Coisas importantes, o sensitivo consumindo toda sua pureza, esquecimento e paixão, preclara tentativa. Digo de você também certas noções falhosas de geometria plana, uns buracos no corpo, você com ratos-cães-coelhos nas mãos, depois o muro, aquele desabrochar de barrigadas e também a morte, persecutória. E, nas minhas mãos, um pássaro doente, breve poema onírico:
A ave-machucada
Tenta alturas densas.
Os meus olhos miram
Quedas, catástrofes, bifurcações
De um pássaro sem respiração
Que se dilui em papel.
Tenta alturas densas.
Os meus olhos miram
Quedas, catástrofes, bifurcações
De um pássaro sem respiração
Que se dilui em papel.
Nas mãos: divina dobradura.
Não é ilusão, tudo é bonito e forte, e palpável. Teu rato, tento um poema, porque sagrado o sonho do teu depois, antes de nos dizermos.
Pequeno rato
Consumido dócil.
Teu estilhaço de entranhas
Nas petranhas do muro
Quando olho compungido
Tuas vísceras expostas:
Mãe diz ser assim o mundo.
Consumido dócil.
Teu estilhaço de entranhas
Nas petranhas do muro
Quando olho compungido
Tuas vísceras expostas:
Mãe diz ser assim o mundo.
É, se eu tiver dó do ratinho, salvo-o em pensamento. Canções leves sobressaem isentas de melodia do nosso sentir místico. Eu, escrevendo, te alcanço pura. De mim a grandeza de um amor. Mas o que me pensa a vida tão cheia de mágoas – é acúmulo funesto de palavras, dos outros, ditas. Purezas. Durezas. Irrealidades. Meu sonhado-amor nas asas de um passarinho: debruça-se num vôo expansivo e devoto.
Sonho-me a ti
O teu pensado
Amor.
O teu pensado
Amor.
Lilás, faca-molhada
De um cortume
Sem carnes.
De um cortume
Sem carnes.
Cravando espátula
Tua espada-rosa
Nos meus olhos
Tão feridos.
Tua espada-rosa
Nos meus olhos
Tão feridos.
Bonita alegria, jeito doméstico de sentir a vida. Seremos sonhos, asas, espadas, ratos, pássaros e beijos. Seremos o inconcluído do amor, mas você ferindo através do tempo minha delicadeza e aura. Sonho-me a ti na supressão do sonho do teu sonhado sentimento. Visito tua casa, teu morar sem paredes, os desejos de querer encontrar o tão-impossível da tua vida. Tua batalha acarinhada, coração sem retalhos, o informe da nuvem livre balsa do teu trasladar-se. Sim, sim, prosa-feitiço escancarada. O amor não é o raso, mas o fundo, o eco, sombra-densa de uns olhos levíssimos. O amor me humaniza, a ti também. Lugares onde estávamos (e era bom) sem a corrosão do vir-a-ser, no depois machucável da gente. Tão assim, à ponta da paixão. Flagelos inexistentes. Sentimento transparente. Essências. Ser-essência da minha vida, gostoso atravessar no infinito do teu sonho. O lado lúdico dos enamorados, um caos efervescente brotando. Briosa loura, teus cabelos tão à mostra. Umas montanhas sonhadas, cobertas de verde vegetação. Caminhando, eu e você, subindo a encosta, num suspender de beijos. Aconteceu? Sim. Não. Em algum lugar do tempo, sempre juntos. Eternos abraçados. Alados. Deitados profundos, sintonizados e carecentes, mãos dadas. Um dia o céu todo nosso. Alados. Eu, você, nuvens e estrelas, viajores do infinito. Alados. Mas, agora, quero lhe dizer o Mar, aquilo de vasto em nós. Soberbo infindo. O mar nosso menino. Êxtase no olhar – o de sempre nunca encontrar. O inficto. Incontinente. Descabível. Aquilo de olhar alargado, infronteiriço, desmedível. O mar em nós: o raso do amor, móvel em águas. Silêncio de concha no ouvido – barulhomar, marulhar de ondas. O mar são os olhos da gente olhados dentro de nós mesmos, fundos? Tantas funduras, ilusões, a superfície lisa dos desejos, escondida. O olhar atravessado, perquirindo o inesgotável inimaginável de lá. Mar-menino. Você e eu – na beirada-areia do amor. Mágicos. Leves. Suspeitos. A noite, o som sonoro daquelas águas, quilométricas, quebrando afoitas, rente à praia. A lua, plúmbea, derrama sua brancura sobre nós. Então, silêncio: o de se esperar sorrisos.
Mar-menino, contorna-te
De águas nosso amor.
Afunda funduras fundas
Dinamiza dois perfis
Alagáveis.
De águas nosso amor.
Afunda funduras fundas
Dinamiza dois perfis
Alagáveis.
Mar inocente de terras
Dois meninos sentados
À beirada arqueada
Do teu infinito.
Dois meninos sentados
À beirada arqueada
Do teu infinito.
Talvez o além. Sempre penso o mar minha espiritualidade aflorada. Dois meninos. Peneiras-d’água. Cobriremos de águas nosso corpo e sombra, num roçar de pálpebras. E haverá o salgado da pele, dourada roupa, nos revestindo. O mar também sofre seu excesso. E tenta recostar-se num berçário de rochas.
Sol poente
Meninos leves
De mãos dadas.
Meninos leves
De mãos dadas.
Dourado sonho
- intocável alegria –
Reclinados sempre
Ao desejo mútuo.
- intocável alegria –
Reclinados sempre
Ao desejo mútuo.
O cobre-alaranjado
Último esboço
De um céu sangrado.
Último esboço
De um céu sangrado.
Caminhamos. Queremos contornar a ilha. Nossos passos, andarilhos, pés no chão, descalços. Um navio sumidouro no limite-horizonte de nossos olhos. A ilha-tartaruga, grande, majestosa, inventada em água-terra-água. O caminhar, precipício de pés. De mãos dadas, em frente, pois, o ciclo-estrada de nossos destinos.
Os passos sem rochedo
Andam sobra águas-finas
Vagueiam sem matéria
À procura de Ilhas.
Andam sobra águas-finas
Vagueiam sem matéria
À procura de Ilhas.
Os passos espreitam
Uma rudeza virgem
De Terras.
Uma rudeza virgem
De Terras.
Tocam o solo
Sem saberem de si
Os pés do poeta.
Sem saberem de si
Os pés do poeta.
Pois agora é tão longe – vagareza de dentro – as coisas esparsas – o desejo de antes – a matéria de viver, corrompida – os segredos violados – corpos intensos, que se procuram – alguns versos, meus, sentidos à dureza do ser – e tão o mar nosso conhecido, sem beirada profundo – acontece sempre de nos deitarmos sobre algum chão sem terras – esperar que o bonito da vida se faça, razoável, dentro e forte, novamente estonteante – que não haja tanto sofrer, guerras nossas travadas, descabidas batalhas horríveis – e sonharemos um dia a vastidão de sermos nós, demais – ilimitados sempre, enquanto nos beijamos? – forte quimera. Iluminada intuição.
(d. f. m.)