quinta-feira, 29 de abril de 2010

"Tudo o que existe é de uma grande exatidão.

Pena é que a maior parte do que existe

com essa exatidão

nos é tecnicamente invisível. "
                 
         (Trecho: A perfeição; por Clarice Lispector)

Poema do beco

Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?

— O que eu vejo é o beco
                                          
                                                                       (Manoel Bandeira)


O luar


O luar,
é a luz do Sol que está sonhando
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O tempo não pára!
A saudade é que faz as coisas pararem no tempo...
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...os verdadeiros versos não são para embalar,
mas para abalar...
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A grande tristeza dos rios é não poderem levar a tua imagem...
 
                                                                                (Mário Quintana)



"E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure."
                                 (Vinícius de Moraes)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

 "O Amor...

É difícil para os indecisos.
É assustador para os medrosos.
Avassalador para os apaixonados!
Mas, os vencedores no amor são os
fortes.
Os que sabem o que querem e querem o que têm!
Sonhar um sonho a dois,
e nunca desistir da busca de ser feliz,
é para poucos!"
                                                                                                       
       (Cecília Meireles)
                                                                   

"O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar."
                                                              (Carlos Drummond de Andrade)

Jogos e milagres



Perdido em meio de pedras e imos,
Distante um pouco dos homens.
Milagres inocentes, lágrima que cai.
Sou poeta e fogo, sou água e nada,
Sou mais que seus olhos de mel podem ver.


As cartas estão queimadas e soltas no ar.
Esquecidos mais que o tempo que passou,
A vida num 3x4 imaginário,
A misericórdia está por vir.


Erga essas mãos! Mova-se, pobre resto!
Rejeitas a essência que lhe cabe.
Quase que ancião e nada fez e tens jogado.
Cartas ao léu, apostas frustradas.


Nem a rua lhe quer mais, e eu?
Eu sou resto e pó. Sou fel de mel,
Sou você retornando pelo caminho;
Pelo caminho que um dia se arrependeu.
E até mesmo o caminho a seguir
Rejeita-nos então. 
                             (Mari)

terça-feira, 20 de abril de 2010

Infância



A sagrada luz em mim fez refrão,
Saudade do tempo em que era pequenino;
Embaixo da figueira brincava inocente
As folhas no chão eram parte do cenário.


Um amigo imaginário, mais fiel não existia.
Destemido no mato fechado, os bichos,
Os pássaros, companhias inseparáveis;
Esse era o meu recanto fabuloso.

E quando a tarde caía,
No céu o sol se estendia brando e solto.
Uma mariposa pousou no varal da vó Maria.
O poço que diziam ser profundo quase nunca
Sentei lá.
Medo de me afundar nas águas e nunca mais
Poder voltar.

O loro pobrezinho com os restos se divertia,
Na grama lisa e bem feitinha, eu rolava e sonhava.
Era mais que uma infância, é o tempo proveitoso,
Dessa vida que  hoje tenho só lembranças,
E de saudades um dia ainda morro.
                                                   
                                                           (Mari)

Anjos do mar



As ondas são anjos que dormem no mar,
Que tremem, palpitam, banhados de luz...
São anjos que dormem, a rir e sonhar
E em leito d'escuma revolvem-se nus!



E quando de noite vem pálida a lua
Seus raios incertos tremer, pratear,
E a trança luzente da nuvem flutua,
As ondas são anjos que dormem no mar!



Que dormem, que sonham — e o vento dos céus
Vem tépido à noite nos seios beijar!
São meigos anjinhos, são filhos de Deus,
Que ao fresco se embalam do seio do mar!


E quando nas águas os ventos suspiram,
São puros fervores de ventos e mar:
São beijos que queimam... e as noites deliram,
E os pobres anjinhos estão a chorar!


Ai! quando tu sentes dos mares na flor
Os ventos e vagas gemer, palpitar,
Porque não consentes, num beijo de amor,
Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar!
                                 (Álvares de Azevedo)

Ode à presença remota e bailarina-menina


Te falo sedas. Te digo
Fitas, presilhas, arcos,
A extensura do limite:
O voar-se em delicadeza.

Desliza, salta, inventa
Tua medida. Teu limite-aeróbico,
Combina tuas levezas
E canta com o Corpo.
Te faz presença e maravilha
Te faz bailarina dos eternos
Nos nossos olhos de encantos.


Te experimenta bailando
Ousada de pinturas
Ígnea em movimentos
Te imagina saltando finuras
Que ensaiaste. Que desempenhaste
Com brandura, doçura, exatidão.


Te imagina assim suspensa
Na sua própria leveza de moça
No seu voaz do corpo.


Pé-pós-pés.
Salta. Enfeita a plateia.
Desmesura o Corpo.
Anseia perfeição.
A tua, não a minha.


A tua, menina-bailarina,
A tua contorção de membros
A tua postura erecta
A tua isenção e liberdade
Do desprendimento.
Do fulgor.
Das tuas cadências de donzela
Que se desfazem bailando.


Menina-azul. Menina-rímel,
Bailarina no de-dentro
No breve roçar da sapatilha
Deslizando os teus cuidados


Na ramagem de umas notas
Que vem do fundo-coração:
Te digo sublimidade intocada
E exasperação perfeita
Das tuas formas revestidas.

Traz contigo voz e sopro
Nos delicados do corpo
Nas artimanhas e movimentos
Move-te fugidia como se fosses
Desaparecer. Como se fosses
Suspender as tuas alturas
E penetrar no intricado
Da música. Do som. Da tua voz.

Do teu corpo de menina-bailarina.
                                       (Die)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

É preciso não esquecer nada



É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.


É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
 vigiados pelos próprios olhos
 severos conosco, pois o resto não nos pertence.


                           Cecília Meireles (1962)

domingo, 18 de abril de 2010

Poemas aos Homens do nosso tempo


 
Amada vida, minha morte demora.
Dizer que coisa ao homem,
Propor que viagem? Reis, ministros
E todos vós, políticos,
Que palavra além de ouro e treva
Fica em vossos ouvidos?
Além de vossa RAPACIDADE
O que sabeis
Da alma dos homens?
Ouro, conquista, lucro, logro
E os nossos ossos
E o sangue das gentes
E a vida dos homens
Entre os vossos dentes.

***********

Ao teu encontro, Homem do meu tempo,
E à espera de que tu prevaleças
À rosácea de fogo, ao ódio, às guerras,
Te cantarei infinitamente à espera de que um dia te conheças
E convides o poeta e a todos esses amantes da palavra, e os outros,
Alquimistas, a se sentarem contigo à tua mesa.
As coisas serão simples e redondas, justas. Te cantarei
Minha própria rudeza e o difícil de antes,
Aparências, o amor dilacerado dos homens
Meu próprio amor que é o teu
O mistério dos rios, da terra, da semente.
Te cantarei Aquele que me fez poeta e que me prometeu
Compaixão e ternura e paz na Terra
Se ainda encontrasse em ti, o que te deu.

Hilda Hilst

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Quero escrever o borrão vermelho de sangue


Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.

Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.

Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder.

Clarice Lispector

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Noivado Estranho

O luar branco, um riso de Jesus,

Inunda a minha rua toda inteira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
A sacudir as pétalas de luz…

A luar é uma lenda de balada
Das que avozinhas contam à lareira,
E a Noite é uma flor de laranjeira
Que jaz na minha rua desfolhada…

O Luar vem cansado, vem de longe,
Vem casar-se co´a Terra, a feiticeira
Que enlouqueceu d´amor o pobre monge…

O luar empalidece de cansado…
E a noite é uma flor de laranjeira
A perfumar o místico noivado!…

Florbela Espanca - Trocando olhares - 30/04/1917

segunda-feira, 12 de abril de 2010

"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso ás vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez'"

Caio Fernando de Abreu


"triste palhaço enfunado de lágrimas/ sobrexistirá do teu silêncio/ um rio de sorrisos?" (die)

domingo, 11 de abril de 2010



Nuvens inteiras nesse céu de meandros,
Sequestro de um corpo esquecido.
Estúpida vontade de apagar a luz e sair,
Cais de porto e melancolia.
Alegrias extremas e insensatas.

Meninos que brincam
De corações corroídos,
O sol se apagou no horizonte,
O crepúsculo se foi com meu calor
Nos braços.

Mais de mim em ti,
Mas de ti em mim não tem nada,
Mais de folhas verdes no chão.
Mas da terra árida a água?

Mãos e dedos fiéis,
Mãos de calos e anéis.
Mãos de adeus e Eloquências.
Mãos cruzadas em caixões de lona.

Olhos gélidos e interrompidos,
O estouro, o balaço.
O Adeus de um simples traço.
A vida que havia de vir
O feto se foi também.
                  
            (By Mari)